Franquias como Deus Ex, Syndicate, Fallout e tantas outras deram pitacos daquela velha corrente filosófica em que humanos e mecanismos automatizados coexistem, num ecossistema em que os ditos “hackers” exercem papéis-chave no controle de tais sistemas. Filmes como “Controle Absoluto”, “Matrix” e “Exterminador do Futuro” também abordam a temática com maestria. A obra “1984”, de George Orwell, também apresenta esse “controle” que pode dominar nossa rotina – é dali que vem o BB de “Big Brother”, que tudo e todos vigia.
Watch Dogs trouxe de volta esse ar conspiratório numa trama absolutamente “urbana” e ambientada na modernidade, em que os smartphones ultrapassam o número de habitantes no planeta e fomentam as cyberatividades. Não é segredo para ninguém que estamos numa era absolutamente digital, sistematizada, em que a automatização de quaisquer procedimentos se tornou uma prática absolutamente comum.
Será que a Skynet, de “Exterminador do Futuro”, está por aí, em algum lugar? Que questões podem ser levantadas em cima desse “domínio”? Essas e diversas outras perguntas certamente estão em pauta no aguardado Watch Dogs, que trará mais influências da vida real do que podemos imaginar.
Para tentar responder a algumas dessas complexidades, o BJ entrevistou, em caráter exclusivo, alguns membros da cúpula de desenvolvimento do game. Dominic Guay, produtor-sênior, Jonathan Morin, diretor-criativo, Thomas Geoffroyd, gerente de conteúdo da marca, e Kevin Shortt, um dos responsáveis pela história central, gentilmente responderam às perguntas que enviamos a eles para deixar o tema ainda mais presente em nossas discussões conspiratórias.
As cyberatividades têm sido um assunto recorrente nas notícias. Nos últimos anos, ouvimos muito sobre o Anonymous, o WikiLeaks, a sabotagem industrial, vírus poderosos e espionagem. De que maneira esses fatos contribuíram para criar o mundo de Watch Dogs? Como veremos esses elementos na história e no gameplay?
Dominic Guay – fazer uma nova IP, como Watch Dogs, é um processo longo. Começamos a elaborar nossa visão no começo de 2009. A atual época em que vivemos, com uma natureza hiperconectada e que afeta o nosso cotidiano, foi a principal inspiração para nós. Nos concentramos em mostrar como essa tecnologia está criando novas vulnerabilidades a serem exploradas e maneiras de se fazer vigilância... E demos essas habilidades ao jogador.
Toda semana, constatamos novos elementos que estão diretamente ligados a esses assuntos, e tenho certeza de que isso continuará interferindo em nossas vidas e em nossos debates nos próximos anos. São elementos que servem como um material de referência fascinante para nós.
Vivemos num mundo ultraconectado. Estamos sempre com nossos smartphones em mãos, online, com arquivos armazenados na nuvem e quase todo tipo de informação passa por essa gigante rede – e isso pode ser arriscado. O escândalo da NSA é um exemplo perfeito. Seria o CtOS [sistema operacional central de Watch Dogs] uma espécie de crítica a essa sociedade, que depende cada vez mais e mais da tecnologia, colocando de lado seus próprios direitos e privacidade?
Dominic Guay – todos os hackings que são possíveis em Watch Dogs são baseados naqueles do mundo real. Nosso interesse é mostrar como a tecnologia do cotidiano, que está à nossa volta, como as cidades interconectadas estão abrindo novas vulnerabilidades. Damos essas fraquezas ao jogador e permitimos que ele as utilize na aventura proposta.
Expandimos o nível de integração e interdependência dessas novas tecnologias de forma sutil instalando o CtOS dentro da nossa Chicago. Esse sistema operacional central se aproxima bastante de muitas iniciativas atualmente sendo implementadas no mundo para melhorar a eficiência e a qualidade de vida em grandes cidades.
Esses elementos trazem à tona diversas questões: privacidade, vigilância, vulnerabilidades de tecnologia concebidas para melhorar nossas rotinas etc. É claro que não estamos julgando a tecnologia, não estamos tentando ser moralistas sobre tais questões, somos todos tecnófilos aqui! A tecnologia, assim como a maioria de outras coisas, pode ser boa ou ruim dependendo de quem a utiliza... E por quais motivos utiliza.
Tudo no mundo de jogo parece bastante convincente. Por que vocês escolheram criar um cenário realista assim em vez de algo mais futurista, por exemplo?
Jonathan Morin – Watch Dogs é mais verossímil e plausível do que uma ficção científica ou algo fantasioso. A equipe se inspira naquilo que cada um é como um indivíduo e na sociedade em que vive. Eu acredito que por esse motivo seja tão difícil definir exatamente o que Watch Dogs é.
Sinto da equipe uma enorme inspiração e um desejo de fazer algo relevante. É isso que torna esse jogo tão especial. Estamos nos esforçando bastante para assegurar que o mundo seja plausível e ofereça uma experiência visceral.
Aiden é um protagonista que usa o CtOS, o sistema que controla tudo em Chicago, para fazer aquilo que ele julga ser correto. Mas isso não mostra esse cyberativista como um herói também? Assim como Aiden, grupos como Anonymous e LulzSec exploram brechas no sistema e em websites para mostrar a que vieram.
Thomas Geoffroyd – um herói, por definição, é alguém que está lutando para organizar as coisas, e seu único propósito é modificar o mundo ao redor dele. Os “hacktivistas” são da mesma espécie, e tudo depende de como alguém considera o estado das coisas como justas. Esse é o prisma que avalia se suas ações são positivas ou negativas.
O símbolo do Anonymous – a máscara de Guy Fawkes – é provavelmente a melhor maneira de ilustrar esse fato. Essa máscara foi popularizada pelo filme “V de Vingança”, que se refere a um herói que luta contra um sistema ditatorial. Mas a verdadeira história daquela noite de pólvora é bem diferente, uma vez que o principal objetivo de Fawkes era restaurar o Catolicismo na Inglaterra.
Temos, ao mesmo tempo, um herói e terrorista. Dentro do jogo, toda a cidade vai reagir diante das ações do jogador através de um sistema de moralidade, portanto, o status “positivo” do protagonista não é algo dado a ele. Assim como o hacktivismo na vida real, isso está sujeito à percepção do público e de que maneira as pessoas sentem as coisas acontecerem.
Vocês podem falar um pouco mais sobre o personagem Aiden em si? Por que ele decidiu usar essas brechas no CtOS para lutar contra o crime? De onde ele vem e o que quer?
Kevin Shortt – Aiden nasceu no norte da Irlanda, mas imigrou para Chicago ainda jovem. Foi lá que ele aprendeu a se virar, a manipular pessoas. Ele não é um homem que revida um agressor com violência.
Conforme Aiden cresceu, a internet começou a dominar o cenário, e o personagem aprendeu a engenharia de se infiltrar em qualquer sistema. Então, quando o CtOS foi lançado, transformando Chicago numa cidade pequena, Aiden viu oportunidades. Infiltrar-se no sistema poderia dar ao protagonista uma vantagem sobre qualquer um. E essa é uma vantagem que ele vai explorar.
Até agora, não sabemos quase nada da história de Watch Dogs. Ainda não sabemos quem serão os inimigos – quem ou que organização estará diante do herói. Há alguma informação sobre isso?
Kevin Shortt – Watch Dogs não é um jogo com um único vilão. É um game de confiança, mentiras e segredos. Achar seu verdadeiro inimigo não é sempre uma linha reta. No entanto, o CtOS é definitivamente um adversário-chave no jogo. Quando [Aiden] Pearce invade o sistema pela primeira vez, ele faz isso para proteger sua família. Porém, quanto mais se infiltra na rede, mais Aiden percebe que há alguma outra coisa acontecendo. E Blume, a corporação que opera o CtOS, não vai ficar sentada de braços cruzados enquanto alguém invade seu complexo sistema.
*A pauta e as perguntas da entrevista foram elaboradas pelo redator Durval Ramos
Fonte: BJ
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